terça-feira, 7 de abril de 2015

Menos médicos e menos saúde

"As soluções para os dilemas da saúde no Brasil não estão na importação de médicos com diplomas obtidos no exterior e sem revalidação"

A população carente é dependente do SUS (Sistema Único de Saúde), que não possui financiamento compatível nem competência administrativa, é desprovido de controle, de avaliação e de planejamento adequados, submetido ao descaso.
Os projetos governamentais na área da saúde são elaborados com apriorística atenção ao "tempo político", imprescindível ao êxito eleitoral. Não há políticas de Estado, apenas fragmentadas políticas de governo, sem continuidade nem reverência a princípios fundamentais.
O resultado da auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) sobre o programa Mais Médicos, apresentado no início de março, não surpreendeu o CFM (Conselho Federal de Medicina). A primeira crítica dos auditores do TCU foi à fragilidade do sistema de supervisão e de tutoria do programa. Apesar da resistência do governo em fornecer os dados, concluiu-se que dos 13.790 inscritos, 4.375 (31,7%) não possuíam supervisores indicados.
Observe-se que, em limites acima dos parâmetros legais, 10% desses supervisores acompanhavam mais de dez participantes e outros 10% tinham carga de atividades acima de 81 horas semanais, em alguns casos com decorrente encaminhamento dos relatórios de supervisão de forma intempestiva e sem amplitude de aspectos clínicos, mais voltados a questões administrativas.
As referências de maior gravidade surgiram quando 17,7% dos "supervisionados" admitiram que a falta de conhecimento dos protocolos clínicos conturbou diagnósticos e terapêuticas ao entrarem em contato com seus supervisores para dirimir dúvidas sobre o atendimento.
Por outro lado, 34,3% dos "supervisores" afirmaram que os médicos formados no exterior enfrentaram obstáculos devido ao desconhecimento desses protocolos, inclusive com relatos de dificuldades para definição dos nomes de medicamentos e de suas dosagens corretas.
O TCU apontou também problemas nos módulos de acolhimento destinados aos intercambistas do programa, com a inclusão de 95 pessoas que deveriam ter sido reprovadas por não atingirem os critérios mínimos exigidos nos eixos de língua portuguesa e de saúde.
No âmbito do acesso à assistência e do combate às desigualdades regionais, o relato também aponta que o Mais Médicos ficou longe das suas metas. A auditoria mostra que em 49% dos primeiros locais atendidos pelo programa, ao receberem os bolsistas, ocorreu a dispensa de médicos contratados anteriormente.
Em agosto de 2013, nesses municípios com redução da oferta de serviços médicos havia 2.630 médicos, que, somados aos 262 profissionais que chegaram pelo Mais Médicos, totalizavam 2.892 médicos. Em abril de 2014, porém, contabilizou-se apenas 2.288 médicos.
Os paradoxos foram superpostos, posto que houve uma diminuição das consultas médicas em 25% dos municípios cadastrados e uma distribuição sem prioridade às áreas de pouca ou nenhuma assistência.
As soluções para os dilemas da saúde no Brasil não serão encontradas na importação de médicos com diplomas obtidos no exterior e sem revalidação ou com a formação em massa de médicos em escolas sem docência e sem decência.
As respostas a esses desafios têm consistência em uma carreira de Estado e em boas condições de trabalho para os profissionais da área, financiamento pela União e por demais entes federativos de pelo menos 70% das despesas sanitárias, bem como planejamento, gerenciamento, controle e avaliação eficazes.
Enquanto esses requisitos não forem consolidados, a maioria dos dependentes do SUS continuará morrendo de causas evitáveis.
As conclusões do TCU reforçaram o posicionamento crítico do CFM em relação ao Mais Médicos. Expõem a necessidade de revisão do programa para que haja a extinção dos prejuízos aos cofres públicos, a promoção do bom exercício da medicina e, mormente, a preservação da vida e da saúde dos brasileiros que se encontram na camada social mais vulnerável e desfavorecida, agora com menos médicos e menos saúde.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Boa e velha medicina


Cresceu em todo o Brasil, nos últimos anos, a demanda por médicos generalistas, que centralizam os cuidados com o paciente, supervisionam as medicações e indicam especialistas quando necessário.
Segundo reportagem publicada nesta Folha, a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade estima que, dos cerca de 5.000 profissionais ligados à entidade, 10% trabalhem em consultórios particulares --até há pouco atuavam apenas na rede pública.
O movimento não se limita a especialistas em saúde da família. A função de médico primário também pode ser desempenhada por clínicos gerais e profissionais de áreas mais abrangentes, como cardiologia, endocrinologia e geriatria.
A redescoberta do velho médico de família ilustra algumas das contradições da medicina moderna. Numa descrição caricatural, a oposição se dá entre o atendimento personalizado, proporcionado pelo generalista, e o massificado, no qual são vistos órgãos e moléstias, mas não o doente como um todo.
Embora uma combinação de romantismo e saudosismo faça a primeira opção soar mais atrativa, a verdade é que as duas abordagens são necessárias e não excludentes.
As estatísticas, onde elas existem, atestam que profissionais e centros hiperespecializados, que realizam procedimentos em escala industrial, têm resultados muito superiores aos de médicos e hospitais que não lidam tão frequentemente com o problema. Padronização e experiência levam a menores taxas de erros e complicações.
Dessa constatação empírica não decorre que o generalista deva ser mera porta de entrada que leva ao especialista. Não só porque a esmagadora maioria dos problemas podem ser resolvidos com intervenções simples, mas também porque é importante --e em alguns casos fundamental-- que um único profissional esteja à frente do processo.
Conhecendo bem o paciente e tendo com ele uma relação de confiança, o "médico personalizado" encoraja a adesão ao tratamento, sobretudo quando implica mudanças no estilo de vida ou o uso contínuo de remédios. Facilita, também, a adoção de medidas preventivas.
Com a centralização, além disso, evita-se que sejam prescritas ao mesmo paciente drogas que, tomadas em conjunto, provocam interações indesejáveis ou fatais.
A procura por generalistas revela o quanto o sistema de saúde precisa ser mais racional, tanto na rede privada como na pública. Combinados, o profissional próximo ao paciente e os especialistas tendem a proporcionar cuidados mais eficazes e economia de recursos. Folha, 29.01.2015.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Obesidade já custa US$ 2 trilhões ao mundo, aponta consultoria: Segundo estudo, impacto econômico de quilos extras já se equipara aos de guerras e do fumo

OMS atribui 2,8 milhões de mortes por ano ao excesso de peso; países precisam coordenar ações, dizem analistas

DO "FINANCIAL TIMES"
A gordura virou questão econômica. Com quase um terço da população mundial sofrendo de sobrepeso ou de obesidade, o custo imposto pelos quilos extras já rivaliza com o de conflitos armados e o do fumo, indica pesquisa da consultoria McKinsey.
O desgaste que isso traz aos orçamentos de saúde deve crescer porque, a menos que as tendências atuais sejam revertidas, metade da população adulta mundial sofrerá de excesso de peso em 2015.
Em um relatório de 150 páginas publicado neste mês, a consultoria estima o custo mundial da obesidade em US$ 2 trilhões --ou 2,8% de tudo que a economia global produz.
A estimativa se baseia em perda de produtividade econômica, custos para os sistemas de saúde e investimentos necessários para mitigar o impacto da obesidade. O custo que conflitos armados, guerras e terrorismo impõem à economia mundial é de US$ 2,1 trilhões, e fica próximo do provocado pelo fumo.
Richard Dobbs, o principal autor do relatório, disse que "a obesidade é agora uma questão mundial crucial, requerendo uma estratégia abrangente de intervenção implementada em larga escala. Qualquer ação isolada provavelmente teria impacto pequeno".
Nos últimos dez anos, o problema da obesidade se espalhou das economias avançadas para países menos prósperos. Cerca de 2,1 bilhões de pessoas são obesas ou têm excesso de peso hoje --número 250% mais alto do que o de subnutridos.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) descreveu a obesidade como epidemia conectada a diversas doenças não transmissíveis, entre as quais diabetes tipo 2, câncer e doenças cardíacas.
Ela atribui 2,8 milhões de mortes anuais ao peso excessivo do corpo e, alguns meses atrás, reduziu sua recomendação quanto à proporção de açúcar na dieta dos adultos de 10% das calorias diárias para uma proporção de 5%.
COMBATE
O relatório da McKinsey estudou 74 medidas que estão sendo tomadas para combater a obesidade, das quais extraiu recomendações para o Reino Unido, onde 37% da população registra excesso de peso e 25%, obesidade.
A Public Health England, parte do departamento de saúde britânico, estimou que, se a obesidade fosse reduzida ao patamar de 1993, o Serviço Nacional de Saúde economizaria 1,2 bilhão de libras ao ano, a partir de 2034.
As recomendações da McKinsey incluem porções menores de fast food; reformulação dos alimentos processados; mudanças nas promoções de comida e bebida; investimento na educação de pais; adoção de refeições saudáveis nas escolas e locais de trabalho; e inclusão de mais exercícios no calendário de atividades das escolas.
Alison Tedstone, nutricionista chefe da Public Health England, disse que "o relatório é uma contribuição útil para o debate sobre a obesidade. A PHE vem declarando constantemente que mensagens educativas simplesmente não bastam para resolver o problema da obesidade".
"O excesso de peso e a obesidade são um problema complexo que requer ação em níveis individual e social, envolvendo indústria, governos locais e nacionais e a sociedade civil. Não há uma solução única e simples", disse. Folha, 27.11.2014.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Cartel é prejudicial à saúde

O uso de cooperativas para disfarçar a organização de cartéis de médicos especialistas eleva os custos do SUS e dos convênios

O uso de cooperativas como disfarce para a organização de cartéis de médicos especialistas tem elevado os custos do SUS (Sistema Único de Saúde) e dos convênios médicos.
São muitas as vantagens do cooperativismo, mas elas degeneram em malefícios sociais quando a função principal dessas organizações for a de aglutinar médicos atuantes em certas regiões para impor honorários ou condições comerciais.
Nesse caso há uma transfiguração: cooperativas viram cartéis, tornando os serviços mais caros, escassos e de menor qualidade.
Alega-se que a criação de cartéis de médicos especialistas seria boa para compensar o poder de mercado das operadoras de saúde. Não é o caso. O grupo que tradicionalmente contrata médicos é amplo e desconcentrado: em setembro de 2014, 1.437 operadoras privadas --das quais 102 com mais de 100 mil beneficiários-- e o SUS precisaram de médicos para honrar suas obrigações contratuais ou constitucionais.
Dada a conhecida escassez de médicos no país, o que existe é uma fragilização da negociação daqueles que demandam o serviço.
Recomendar redução na concorrência para tratar eventuais abusos competitivos é uma solução pouco racional, especialmente porque as dosagens e seus efeitos colaterais são pouco estudadas. Decisões recentes do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) confirmam a rejeição do argumento do poder compensatório na defesa de conluios médicos.
Planos mais caros induzem uma redução de demanda pelos beneficiários mais jovens, saudáveis ou de menor renda. Sobrecarrega-se ainda mais o SUS e, no segmento privado, deteriora-se o perfil de risco da carteira e os custos das apólices, com pressão para novos reajustes nas mensalidades.
A maioria das cooperativas de especialidades condenadas por prática de cartel pelo Cade se localiza em capitais e no Distrito Federal. A elevação artificial dos honorários em poucas regiões desestimula o deslocamento de médicos a regiões menos densamente povoadas do país. Sob a sombra cooperativa, a oferta de especialistas pode se concentrar nos grandes centros urbanos sem forçar a queda de honorários.
Por mais polêmico que seja, ninguém discordaria do objetivo do programa Mais Médicos de assegurar uma oferta adequada de profissionais nas diferentes regiões. No entanto, um dos efeitos dos cartéis de especialidades é concentrar geograficamente a atuação dos especialistas, deixando as áreas recônditas carentes de médicos.
É difícil imaginar uma profissão mais nobre e importante para o bem-estar das pessoas do que a do médico. Nada mais justo do que reivindicar honorários e condições adequadas de trabalho.
É igualmente oportuno difundir a cultura da concorrência entre a classe médica. Isso, porém, não deve ser feito mediante a prática ilegal de cartéis, que beneficia algumas especialidades em detrimento do conjunto da sociedade.
O cartel é prejudicial à saúde.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Médicos e pacientes alinhando expectativas

A compreensão e o diálogo são o caminho para que agressões verbais e físicas não façam parte da sagrada relação médico-paciente

Ainda chocado com o atentado sofrido há algumas semanas por um dos mais ilustres urologistas do país, sinto-me compelido a fazer algumas reflexões sobre a relação médico-paciente. Na essência, a função do médico é sabiamente pautada por Hipócrates, que apregoava que fazer o bem para seus pacientes é o objetivo maior dos médicos. Já para o paciente, o médico é aquele que pode ajudá-lo a resolver seus problemas de saúde e, às vezes, até mesmo pessoais.
Idealisticamente, a relação entre ambos deveria ser pautada pela confiança e competência, gerando cumplicidade na busca da cura ou da atenuação do sofrimento. Contudo, nem sempre é assim que as coisas acontecem na medicina moderna.
Pelas características dos sistemas de saúde, tanto público, quanto privado, a lógica da relação vem sendo modificada: o indivíduo é cada vez menos paciente de um médico e cada vez mais de uma instituição ou de algum plano de saúde, o que gera enfraquecimento dos laços emocionais e afetivos que unem pacientes a seus médicos e vice-versa.
Como um agravante, em situações de maior complexidade o paciente é conduzido por um time de especialistas e outros profissionais da saúde, em função da diversificação do conhecimento cientifico. Talvez este seja um caminho sem volta, como um preço a se pagar pela busca da universalização do acesso às ações da saúde e aos custos crescentes do atendimento.
Apesar deste cenário desfavorável, amplia-se em todo o mundo a necessidade da relação médico-paciente ser mais aberta e transparente. É fundamental que o paciente entenda o que se passa com ele e, mais ainda, que participe do processo decisório quanto aos possíveis tratamentos para seu problema de saúde, algo que nem sempre ocorre.
Por outro lado, a compreensão de seu problema de saúde pode ser limitada em função de fatores diversos, tais como o receio de saber o que lhe acontece --mais comum em idosos--, o grau educacional, o nível intelectual e as condições emocionais, as quais podem, inclusive, gerar atitudes de negação quanto à doença e de agressividade contra aqueles que o tratam.
Cabe ao médico explicar com clareza a seu paciente o que lhe ocorre, procurando encontrar a maneira que melhor permita a compreensão de seu problema de saúde --afinal, como dizem, comunicação não é o que você fala, é o que o outro entende.
Portanto, o caminho a ser trilhado é claro: a busca do alinhamento das expectativas do paciente com as de seu médico. É preciso que se entenda e aceite que o resultado de um tratamento é pautado por situações nem sempre administráveis, tais como a doença em si, condições clínicas e idade do paciente, condições de atendimento e o próprio tratamento, afora competência, experiência e dedicação do médico.
Na verdade, grande parte dos processos de responsabilidade civil por "erro médico" decorre de compreensão inapropriada dos resultados alcançáveis e de possíveis complicações e sequelas do tratamento por parte do paciente ou de sua família.
Infelizmente, não é incomum que pacientes canalizem contra seus médicos insatisfações e frustrações decorrentes de suas doenças e seus tratamentos. Isso acontece na vida profissional de qualquer um de nós, expostos que estamos a nossas limitações e ao imponderável.
Contudo, alinhar as expectativas por meio da compreensão e do diálogo é o caminho para que agressões verbais e físicas não façam parte da sagrada relação médico-paciente, a fim de que o médico possa exercer dignamente sua função, honrando seu juramento hipocrático.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Médicos precisam adotar cultura de transparência, diz Marty Makary

Hospitais precisam criar uma cultura de transparência para que médicos possam admitir erros e assumir responsabilidades, diz o britânico Marty Makary.
Professor da Universidade Johns Hopkins (EUA), ele é autor de "Unaccountable" ("Irresponsabilizável", 256 págs., US$ 19,20, Bloomsbury Press), best-seller sobre a falta de transparência na medicina. O médico foi um dos palestrantes do fórum "A Medicina do Amanhã", na semana passada, no hospital Albert Einstein, em São Paulo.
Em entrevista à Folha, Makary defendeu que se divulguem informações detalhadas sobre hospitais e médicos, mas disse que médicos não podem ser crucificados sistematicamente por seus erros. Leia abaixo a entrevista.
*
Folha - Por que a transparência é essencial à medicina?
Marty Makary - Não há boas técnicas para medir o desempenho de médicos e hospitais, e isso é frustrante para o público e para os médicos. A transparência nos dá pistas sobre o que deve ser melhorado no atendimento.
Em Nova York, nos anos 1980, um estudo comparou a taxa de mortalidade de cirurgias do coração em diferentes hospitais e constatou grande variação. Viu-se que muitas mortes poderiam ser evitadas com padronizações e técnicas mais rígidas.

O sr. diz que a variação de práticas é um problema na medicina. Por quê?
A mesma liberdade que médicos têm de mudar o tratamento para atender às especificidades de cada paciente -se ele é mais velho, ou se não quer um tratamento agressivo, por exemplo- pode levar o profissional a fazer escolhas terapêuticas por dinheiro ou por egoísmo.
Um médico pode ter taxas altas de infecção pós-cirurgia ou ser preso por dirigir bêbado e ainda continuar a exercer a profissão. Damos muita liberdade aos médicos sem o monitoramento devido. É um caminho difícil equilibrar a liberdade boa e essa que não é muito bem-vinda.

O sr. menciona a Clínica Mayo, do Minnesota (EUA), onde há uma troca muito grande de indicações entre médicos, como exemplo de excelência. É possível expandir esse modelo?
A própria Clínica Mayo tentou expandir o que faz na sua sede, sem sucesso. Há indicações de por que isso ocorreu. Médicos da sede se sentem no comando do hospital e são próximos da direção. Eles se sentem parte daquilo.
Na maioria dos hospitais, há uma péssima comunicação entre médicos e dirigentes. São comuns reclamações de médicos em relação a uma administração que não entende o que eles fazem.

O que fazer com erros graves, como objetos cirúrgicos deixados dentro dos pacientes. O médico deve ser demitido?
Um médico não deve ser mandado embora por um erro. Até os melhores médicos do mundo já cometeram erros. Mas precisamos criar uma cultura em que esses erros são comentados, corrigidos e evitados.

Como evitar que médicos escolham os tratamentos que vão lhe trazer mais lucro?
Primeiro, os médicos devem ganhar muito bem e serem recompensados. Segundo, pacientes devem ter o conhecimento de como o sistema funciona para ficarem atentos. Devem saber, por exemplo, que médicos que não encaminham para outros especialistas têm retorno financeiro com isso.

Ser excessivamente transparente não pode ser um problema para a confiança entre médicos, pacientes e hospitais?
Não, só temos a ganhar com isso. Mas a transparência e a medição da produtividade precisam ser bem feitas, com esquemas estatísticos que contemplem também as opiniões de médicos e de profissionais que serão avaliados. Lido com casos de alta complexidade que muitos médicos recusam. Um sistema de medição que compara taxas de mortalidade sem considerar o alto risco de pacientes pode penalizar profissionais que aceitam esse desafio. 

terça-feira, 12 de agosto de 2014

INDÚSTRIA FARMACÊUTICA CARECE DE INOVAÇÃO AO IGNORAR O DESENVOLVIMENTO DE NOVOS ANTIBIÓTICOS

Por EDUARDO PORTER
Há algo de claramente errado na inovação farmacêutica.
Apenas nos Estados Unidos, infecções resistentes a antibióticos afetam mais de 2 milhões de pessoas todos os anos e matam pelo menos 23 mil. A Organização Mundial da Saúde não tem como providenciar estatísticas globais, porque muitos países não divulgaram estimativas.
A OMS alertou que "uma era pós-antibióticos" pode estar no ar, quando "infecções comuns e ferimentos leves podem matar". Ainda assim, a indústria farmacêutica se mostra pouco entusiasmada em desenvolver drogas para o combate de tal calamidade.
Nenhum tipo importante de antibiótico foi desenvolvido desde o final da década de 1980, de acordo com a OMS. De 2011 a 2013, a FDA, órgão que monitora a indústria farmacêutica e de alimentos nos EUA, aprovou apenas três novas entidades moleculares para o combate a doenças bacterianas -o menor número desde a década de 1940.
No entanto, a indústria farmacêutica está excepcionalmente otimista sobre o futuro da inovação médica. Mikael Dolsten, médico que supervisiona o departamento global de pesquisa e desenvolvimento da Pfizer, destaca que, se o avanço nos 15 anos anteriores a 2010 parecia lento, era porque se demorou a entender como transformar descobertas como o mapa do genoma humano em novos medicamentos. Há uma grande quantidade de novas drogas na fila, para tratamentos específicos contra o câncer, vacinas ultramodernas e terapias para doenças difíceis, como a hepatite C.
No entanto, cada vez mais antibióticos estão saindo do mercado anualmente -ou porque as bactérias se tornaram resistentes a eles ou porque foram substituídos por medicamentos mais eficientes ou menos tóxicos. O arsenal contra infecções bacterianas encolheu para somente 96 diferentes moléculas no fim do ano passado, 17 a menos do que na virada do século.
Porém, muitas das grandes farmacêuticas decidiram abandonar essa linha de pesquisa. E poucas empresas estão entrando no segmento.
"Não tem havido incentivos suficientes para a indústria empreender 10 ou 15 anos de pesquisa", reconheceu Dolsten.
Os antibióticos não são obviamente lucrativos. Ao contrário dos medicamentos de combate ao câncer, que podem ser extremamente caros e necessários por um longo período, os antibióticos são mais baratos e prescritos apenas por períodos curtos.
Mas os antibióticos não são as únicas drogas ignoradas atualmente. Pesquisas sobre tratamentos contra o HIV/Aids também estão minguando, em grande parte porque os custos e o tempo necessários para o desenvolvimento aumentaram. As pesquisas sobre novas terapias cardiovasculares adotam, em sua maioria, drogas já conhecidas e menos arriscadas.
Doenças neuropsiquiátricas, como o Alzheimer e a depressão, são a principal causa de invalidez no mundo industrial. E a tendência é piorar. Os pesquisadores destacaram ainda a falta de investimentos para esses transtornos.
Como alternativa, farmacêuticas e empresas de biotecnologia estão apostando em terapias personalizadas -principalmente direcionadas a tipos específicos de câncer- e medicamentos para as chamadas doenças órfãs, que afetam uma número muito reduzido de pessoas. "Há mais pessoas estudando as doenças órfãs do que pessoas com essas doenças", brincou Michael Kinch, do Centro Yale para Descoberta Molecular. Dos novos medicamentos aprovados pela FDA em 2013, 70% eram drogas especiais -usadas por menos de 1% da população, de acordo com a empresa de gerenciamento de benefícios farmacêuticos Express Scripts.
O custo de desenvolvimento de uma nova droga disparou nas últimas três décadas. Dados da Eli Lilly indicam que a concepção de um medicamento até seu lançamento custava US$ 1,8 bilhão em 2010, processo que inclui o custoso desafio dos testes clínicos necessários para provar que a droga é ao mesmo tempo segura e mais eficaz do que as terapias existentes.
O desenvolvimento de medicamentos órfãos é mais barato, pois são aprovados em regime de urgência pela FDA. Considerações semelhantes atraíram companhias farmacêuticas para medicamentos biológicos mais modernos em detrimento de compostos tradicionais. Drogas de grandes marcas perdem 80% do mercado no prazo de um ano após o vencimento das patentes.
Patricia Danzon, da Universidade da Pensilvânia, recomenda recalibrar o ônus regulatório de modo a favorecer a pesquisa de medicamentos com potencial mais amplo.
Ao mesmo tempo, são necessários novos mecanismos para conter os preços. "Existe um mito de que nos EUA as forças de mercado estão atuando para controlar os preços", disse Danzon. Claramente não estão. E o mercado também não está produzindo a inovação necessária. NYT, 12.08.2014.
www.abraao.com

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